sábado, 14 de novembro de 2009

Rosa Negra



Aimeé andava pela rua rindo por dentro dos olhares que recebia pelo seu cabelo estranho e visual diferente. Mesmo sendo numa cidade grande, e nos dias de hoje, as pessoas continuavam a ter preconceitos, pensava consigo mesma, enquanto puxava o zíper da jaqueta preta de couro, para protegê-la do frio, cobrindo a camiseta de listras vermelhas e negras. Seus cabelos pretos e lisos caíam até a altura dos ombros, espalhados pelo corte desigual e cheio de pontas. No rosto o piercing prateado na sobrancelha chamava tanta atenção quanto seus olhos escuros, que embora parecessem maquiagem eram naturalmente sombrios.

Um senhor que vinha distraído, ao vê-la já há uns dois metros de distância, pareceu assustar-se quando a viu, tão próxima, e num rompante foi para a rua com tanta rapidez que quase foi atingido por um carro que passava.

- Caramba Mia, o cara preferiu ser atropelado a andar do seu lado...

Olhando para o lado ela viu Demétrius aproximando-se.

- Poderia ser o mais seguro para ele se fosse há uns setecentos anos atrás... - responde Aimeé num tom displicente e irônico.

Rindo eles seguem até chegarem perto de uma rua escura e abandonada.

- Tá bom, chega de andar. - fala Demétrius.

E num salto imperceptível para qualquer pessoa, segura o braço de Aimeé e desaparecem no ar.

* * *

- Deixa de bobagens Aisha, é só um show de rock, o que você acha que eles vão fazer lá? Rituais onde chupam seu sangue?

- Eu sei, eu sei Cris, mas eu não gosto de músicas pesadas. Você sabe...

As duas amigas discutiam enquanto Cristina penteava os cabelos e dava os últimos retoques na maquiagem.

A custo de muita insistência tinha convencido sua amiga Aisha a acompanhá-la ao show que ocorreria dentro de alguns minutos. Ela bem sabia o quanto a amiga não gostava de shows de rock. Tão boba que chegava a mudar de canal, quando o multishow mostrava algum clipe um pouco mais inspirado das bandas de metal do momento.

Mas elas eram amigas inseparáveis desde criança, e essa não seria a primeira nem a última vez que uma delas ajudava a outra, mesmo tendo de fazer coisas um pouco desagradáveis. Cristina estava namorando o guitarrista de uma das bandas que se apresentaria no festival, mas, mesmo a cinco meses de completar a maior idade, seus pais não a deixavam ir. Então ela inventou que iria para a festa de aniversário de uma amiga e claro que Aisha ia junto.

Seus pais acreditaram e consentiram, principalmente depois de ligar para os pais de Aisha e confirmar que ela iria também.

Aisha tinha mentido para os pais pela primeira vez na vida. Mas Cristina faria a mesma coisa por ela. E com esse último pensamento lhe passando pela cabeça, ela sai da frente do espelho, vai até a amiga que olhava desanimada para o guarda-roupa procurando algo para vestir e a abraça, cochichando em seu ouvido:

- Eu amo você Aisha... Obrigada irmãzinha.

* * *

- Você sentiu aquele cheiro no parque a tarde Mia? Era um deles... Eu pensei que eles já tivessem aprendido a não entrar no nosso território.

Demétrius estava sentado na poltrona de um apartamento caro e confortável. Sua cabeça pendia de cima do encosto e embora Aimeé estivesse há quatro cômodos de distância, na cozinha preparando um lanhe, ele sabia que ela podia ouvi-lo muito bem.

- Ah, quer saber? Que bom que um deles entrou aqui. As coisas já estavam ficando chatas... – responde ela, no mesmo tom, baixo e melódico.

- Há, há... Entediada Aimeé? – e num salto ele estava ao seu lado no instante preciso em que ela tapava o pote do creme que havia passado no pão. – Isso não é uma sensação muito boa para quem tem a eternidade pela frente, não é?

- Ah, não enche Demétrius.

Num movimento rápido como o bater das asas de um beija-flor ela finca a faca na mão de Demétrius. Ou pelo menos tenta. Ainda mais rápido do que os quase trezentos milhões de metros por segundo da velocidade da luz, ele retira a mão, pega a faca e corta fora as cascas do pão.

- Bem, deveria usar o tempo vago para treinar suas habilidades, lesminha...

Olhando fixamente para os olhos de Demétrius, Aimeé espera alguns segundos até que ele deixa a faca cair de sua mão e fica paralisado. Isso poderia assustar qualquer um, mas ele permanecia parado, porém com uma expressão enfadonha no rosto.

- Eu não preciso ser tão rápida já que consigo paralisar qualquer um. – fala ainda olhando em seus olhos. – poderia deixar você ai o dia inteiro...

E suspirando olha para o lado, dando antes uma mordida em seu sanduíche.

- Mas enfim se eu fizesse isso, como você poderia me acompanhar ao festival hoje?

Ela caminha até a sala onde estava Demétrius e senta-se no sofá, zapeando os canais rapidamente, até achar um seriado de terror. Uns cinco minutos depois, Demétrius volta à sala massageando o pescoço, no exato instante em que surge um vampiro na tela sendo afugentado pela imagem de um crucifixo e em seguida destruído por uma estaca no peito.

- Acho que as feras gostariam que fosse fácil assim acabar conosco.


* * *


Na noite escura, com a música ensurdecedora saindo pelos alto-falantes e pessoas estranhas vestidas de preto por todos os lados, Aisha não via a hora de Cristina resolver ir embora. Mas pelo jeito que ela se divertia, cantando as músicas do namorado, muito empolgada e pulando junto com aquela massa humana e bizarra, ela percebeu que iria demorar um pouco mais do que gostaria.

No começo até tentou se enturmar, mas ao olhar para o lado e ver alguns garotos com maquiagem que imitava sangue saindo pela boca e meninas com coleiras de taxas no pescoço, desistiu. De vez em quando Cristina olhava para o lado, animada, e a chamava para dançar. Ela apenas dava um risinho amarelo e levantava os polegares.

Olhando para o lado ele vê um par de olhos cinza a encará-la. Ele a olhava de uma maneira fixa, mas ao mesmo tempo intrigante. Quando conseguiu tirar o foco dos olhos e observou o rosto do estranho, ela viu que ele aparentemente não tinha nada demais, mas mesmo assim algo parecia querer puxá-la para perto dele.

Do outro lado do salão, Aimeé falava para Demétrius:

- Qual o problema Demétrius? Está com fome?

- Anh, o quê?

- Você parece que quer devorar aquela menina...

- Deixa de bobagens, você sabe que não precisamos mais disso. É que ela... Sei lá, não deve ser nada demais. Talvez alguns vestígios de predador que ainda estejam no nosso DNA.

De repente um cara vestido a rigor para o evento, vira-se para Aisha e lhe agarra, beijando-a com um hálito horrível de bebida e algo mais que ela não soube identificar. Gritando ela o empurra, mas no esforço, não calcula bem a força e cai no chão.

- Meu Deus Aisha! Você está bem? – pergunta Cristina aproximando-se dela.

- Não! Quer saber, não estou nada bem. Você sabia que eu não queria vir pro raio dessa festa e ficou me enchendo pra poder ver esse idiota do seu namorado. – grita Aisha descontrolada.

- Aisha, eu...

- Você, você, você... Esse é o problema Cris, é sempre você.

E levantando-se rapidamente sai empurrando a multidão que continuava a dançar. Cristina inicialmente fica paralisada em choque pela reação da amiga e pelas coisas que ela lhe disse. Ela nunca tinha visto Aisha assim. Por um instante teve vontade de deixá-la ir, ela não merecia ter ouvido aquilo, mas então se lembrou que o local da festa era perigoso e que Aisha não conseguiria ir embora sozinha.

Fora do galpão onde o som continuava, Cristina olha para os dois lados tentando adivinhar para onde Aisha tinha seguido. Viu então de relance ela entrar num beco escuro, e xingando a loucura da amiga foi atrás dela. Porém ao entrar no beco viu que não era Aisha, mas um homem que tinha entrado lá.

Ao vê-la entrando ele parou e com um sorriso sádico continuou a olhá-la de um jeito curioso e mal. Cristina tentou voltar, mas ao virar-se para correr viu que o homem, que antes estava no fim do beco, agora estava à sua frente. Ela voltou de costas até encontrar a parede no final da rua. O homem começou a aproximar-se calmamente, como uma fera quando já havia encontrado sua presa e deliciava-se com seu pavor.

De repente ele é acertado na cabeça por uma pedra e vira-se com um urro que mais parecia de um animal. Aisha, com outras pedras nas mãos gritava:

- Vai embora Cristina! Corre!

Ela tenta correr em direção à amiga, mas é lançada com uma força descomunal contra a parede e desmaia. Aisha grita e instintivamente corre em direção à Cristina e percebe que não deveria ter feito isso. O homem agora está muito próximo dela.

- Você parece deliciosa.

Aisha sente seu sangue gelar ao imaginar o que está prestes a acontecer. Abraçando o corpo desacordado de Cristina, chora baixinho com a cabeça baixa. Porém, ao invés de atacá-la, o homem ajeita seu cabelo lentamente, pondo-o atrás da orelha. E ao invés de feri-la ele aproxima-se de seu pescoço como se fosse beijá-la. Com movimentos lentos e suaves.

Ao encostar seus lábios em seu pescoço, ela sente frio e já ia gritar novamente, pois de alguma maneira não conseguia mais se mover, quando sentiu dentes rasgando sua pele. E a dor que sentiu não foi algo comum, parecia que a mordida entrava em sua alma. Sentia como se sua vida estivesse fugindo do seu corpo.

Queria gritar, mas não podia, sentia seu coração secando, batendo cada vez mais devagar. Teve a sensação exata da morte, e ao abrir os olhos para ver o mundo pela última vez, a dor parou por um instante.

Ela viu os olhos cinza que a observavam mais cedo e ouviu murmúrios rápidos e baixos. Pensou ter ouvido um grito agonizante, mas não teve certeza. Sentiu o corpo entorpecido e resolveu desistir de uma vez por todas quando sentiu outra dor. Dessa vez mais forte, parecia que lhe injetavam gelo nas veias onde antes tinha sangue.

Ouviu o dono dos olhos cinza dizer baixinho em seu ouvido:

- Durma agora, não se preocupe com a dor. Não se preocupe com nada, o pior já passou.


Continua...

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