sábado, 19 de novembro de 2011

Saudosa Democracia



O deputado federal Rocha entrou no humilde restaurante da cidade de Roseiral para almoçar. Não era de seu costume fazer suas refeições em locais tão desprovidos da elegância e requinte ao qual ele se acostumara, mas aquela era sua cidade natal e mesmo embora não tivesse feito nada pelos esforçados moradores daquela cidade, as eleições estavam mais uma vez próximas e ele tinha que voltar a circular por lá para poder bradar aos sete cantos dali a uns meses que era um filho daquela terra e precisava do apoio de todos os “seus irmãos”.

Ultimamente ele não contava com boa fama, principalmente depois que a imprensa conseguiu acesso a um dossiê que mencionava seu nome em operações fraudulentas. “Malditos abutres”, pensava enquanto pedia um dos pratos que tanto gostava quando era apenas um morador da região, mas que agora não convinha com o status de um representante da Câmara.
Comia tentando parecer alguém mais simples e próximo do povo e em alguns sorrisos que recebia, percebia que a população não havia esquecido ele. Talvez até tivessem orgulho por ter chegado tão longe. Poderia até mesmo me candidatar ao senado, ou ao governo do Estado, por que não? É só tomar cuidado para que nada mais vaze até o próximo ano.
Durante a próxima meia hora em que fazia sua refeição, seus pensamentos voavam entre suas próximas estratégias e já estava começando a pensar em fazer algum show ou trazer algum artista para poder animar o povo. Talvez no aniversário da cidade, lembrou. Pena que ele não lembrasse mais qual era a data. Será que já teria passado?
Então percebeu que havia um homem que já o observava há bastante tempo. Lá vem pedir as coisas, pensou aborrecido, esse povinho não pode ver um político que já pensa que somos os pais deles. Só por que votaram na gente acham que temos a obrigação de ficar dando tudo que querem. “Arranja um emprego pro meu filho, deputado Rocha”, “Por favor, deputado, arranja uma vaga num hospital pra minha mãe fazer uma cirurgia”, bando de sanguessugas. Mas pensando bem, se ele tivesse alguma influência na cidade, não custava nada ajudá-lo.
Acenando com o copo, encoraja o homem a aproximar-se.
- Olá deputado, é um prazer enorme vê-lo por aqui. – diz o homem aproximando-se.
- Mas ora, ora rapaz, toda vez que tenho oportunidade, venho matar a saudade da minha terrinha querida. Então, sente aí e tome alguma coisa.
- Bom permita-me deputado, mas eu queria mesmo apenas agradecer o senhor pela grande ajuda que o senhor me deu.
Entre orgulhoso e surpreso o deputado fica tentando lembrar se por acaso tinha comprado aquele voto quando foi se candidatar a alguns anos. Mas que diabos, era tanta gente pra lembrar, o melhor era sorrir e aceitar as palavras daquele homem que já lhe parecia bem agradável.
- Veja o senhor que eu tinha um grande inimigo aqui na cidade sabe? Mas eu sou um cidadão temente a Deus e embora soubesse que ele merecesse, não queira fazer nada contra ele. Mas ei que vem o senhor e me ajuda arruinando sua vida.
E ante a aparência assustada do deputado, que empalidecia, o homem prossegue.
- Mas então o senhor não lembra? Veja vou explicar. Primeiro a mulher dele morreu no parto da quinta criança, por que não tinha vaga na maternidade daqui e ela teve que dar a luz no corredor. Mas como a enfermeira que estava com ela estava muito cansada, por que já estava com dois plantões seguidos, ela acabou sendo meio imprudente e meu grande inimigo ficou viúvo.
- Mas calma, calma, isso foi só o começo. Com cinco filhos pra criar ele chegava cada vez mais cansado no trabalho e claro que ganhando a mixaria de um salário mínimo não podia pagar alguém pra ajudar. A mãe dele até ajudava, mas povo ruim sempre tem o que merece, e a velha tinha uma catarata muito forte. Já esperava há três anos uma cirurgia, então não podia ajudar grande coisa. – Depois de um suspiro ele continua - enfim, ele foi demitido e passou quase três meses vivendo praticamente de favor. Até que criou coragem de deixar a filha mais velha cuidando dos irmãos, ela já tinha dez anos, já tinha idade pra isso. Aí, arranjou outro emprego como carreteiro ganhando dois reais por descarregamento de carreta. Mas depois disso passou a ficar bebendo depois do trabalho extenuante de 18 horas seguidas, pra esquecer a desgraça de sua vida. Eu disse que ele não era de boa índole.
Como se cada uma daquelas palavras pesassem uma tonelada, o deputado Rocha, não encontrou forças sequer para argumentar. E dizer o quê? Aquela narrativa seguia um curso louco demais para que ele encontrasse uma resposta ou meio de desconversar. O homem, como se alheio ao desconforto, apenas continuava, como quem narra um fato interessante e descontraído.
- Depois deputado, a vida dele só piorou. O mais novinho teve uma gripe, coisa boba, mas deram no posto remédio vencido então ele teve uma infecção e também morreu. As outras crianças devem ter puxado ao pai. O menino de nove começou a usar drogas. Pro senhor ver, tão novinho! É o sangue ruim. Daqui a uns dias não ia mais nem em casa. O outro de sete vivia pela rua pedindo esmolas, até que descobriu que era mais fácil roubar e virou um trombadinha dos piores. Todo mundo tinha medo, apesar de ser tão pequenininho. O segundo mais novo uma mulher levou pra criar, o homem nesse dia quase morre, mas ia fazer o quê, o menino já estava com desnutrição.
- E o homem se afundando cada vez mais na bebida, até que um dia descobriu que a menina que já tinha completado onze anos tinha começado a se prostituir em troca de brinquedos e doces pra ela e pros irmãos. O senhor não sabe o que aconteceu depois – e como um demônio de olhos injetados, já ciente do efeitos de suas palavras, gargalhou antes de completar - aquele desgraçado teve o que merecia, quando ele soube ficou louco. Agora vive tão bêbado que parece um gambá, jogado pelas ruas, doente e podre. As crianças que restaram, só Deus sabe onde andam. O de nove fugiu pra capital e vive embaixo da ponte fumando crack, deve ter mais alguns meses de vida, se tanto.
E levantando-se aquele homem humilde conclui, dessa vez com um olhar sombrio, falando apenas com a voz de um cidadão comum, mas esperando fazer alcançar a consciência daquele homem diante de si, se é que ainda existia:
- Sabe deputado, essa história que narrei não aconteceu com nenhum inimigo meu. Na verdade, essa é a realidade diária em milhares de famílias do país. Mas o pior é que não ocorre só com os idiotas que votam em políticos pilantras como o senhor em troca de dinheiro ou favores, não. Afetam todo mundo, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, pois quando vermes como você chegam ao poder, só se interessam em enriquecer às custas o dinheiro público ou pagar favores obtidos durante a candidatura, desviando verbas que deveriam ir para a saúde, educação, segurança e propiciar condições dignas para as famílias brasileiras. Então o senhor faça o favor de ir embora de nossa cidade que já basta os desonestos que ainda se mantém por aqui. E não precisa dizer que veio daqui não, nós dois sabemos muito bem que orgulho você não tem e de uma escória que nem você, nós é que temos nojo e vergonha.

Créditos de imagem: 
http://oferrao.atarde.com.br/?p=6350

2 comentários:

Rodrigo Duarte disse...

Acho q vou precisar ler o texto de novo e começar a rever meus conceitos sobre drogas, prostituição e outras coisas. A maioria das pessoas acham que isso é uma escolha, mas infelizmente é a nossa realidade,triste realidade!

Anônimo disse...

O deputado saiu pensando em entregar o cargo ou se suicidar...rs

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