O deputado federal Rocha entrou no
humilde restaurante da cidade de Roseiral para almoçar. Não era de seu costume
fazer suas refeições em locais tão desprovidos da elegância e requinte ao qual
ele se acostumara, mas aquela era sua cidade natal e mesmo embora não tivesse
feito nada pelos esforçados moradores daquela cidade, as eleições estavam mais
uma vez próximas e ele tinha que voltar a circular por lá para poder bradar aos
sete cantos dali a uns meses que era um filho daquela terra e precisava do
apoio de todos os “seus irmãos”.
Ultimamente ele não contava com boa
fama, principalmente depois que a imprensa conseguiu acesso a um dossiê que
mencionava seu nome em operações fraudulentas. “Malditos abutres”, pensava
enquanto pedia um dos pratos que tanto gostava quando era apenas um morador da
região, mas que agora não convinha com o status de um representante da Câmara.
Comia tentando parecer alguém mais
simples e próximo do povo e em alguns sorrisos que recebia, percebia que a
população não havia esquecido ele. Talvez até tivessem orgulho por ter chegado
tão longe. Poderia até mesmo me candidatar ao senado, ou ao governo do Estado,
por que não? É só tomar cuidado para que nada mais vaze até o próximo ano.
Durante a próxima meia hora em que fazia
sua refeição, seus pensamentos voavam entre suas próximas estratégias e já
estava começando a pensar em fazer algum show ou trazer algum artista para
poder animar o povo. Talvez no aniversário da cidade, lembrou. Pena que ele não
lembrasse mais qual era a data. Será que já teria passado?
Então percebeu que havia um homem que já
o observava há bastante tempo. Lá vem pedir as coisas, pensou aborrecido, esse
povinho não pode ver um político que já pensa que somos os pais deles. Só por
que votaram na gente acham que temos a obrigação de ficar dando tudo que
querem. “Arranja um emprego pro meu filho, deputado Rocha”, “Por favor,
deputado, arranja uma vaga num hospital pra minha mãe fazer uma cirurgia”, bando
de sanguessugas. Mas pensando bem, se ele tivesse alguma influência na cidade, não
custava nada ajudá-lo.
Acenando com o copo, encoraja o homem a
aproximar-se.
- Olá deputado, é um prazer enorme vê-lo
por aqui. – diz o homem aproximando-se.
- Mas ora, ora rapaz, toda vez que tenho
oportunidade, venho matar a saudade da minha terrinha querida. Então, sente aí
e tome alguma coisa.
- Bom permita-me deputado, mas eu queria
mesmo apenas agradecer o senhor pela grande ajuda que o senhor me deu.
Entre orgulhoso e surpreso o deputado
fica tentando lembrar se por acaso tinha comprado aquele voto quando foi se
candidatar a alguns anos. Mas que diabos, era tanta gente pra lembrar, o melhor
era sorrir e aceitar as palavras daquele homem que já lhe parecia bem
agradável.
- Veja o senhor que eu tinha um grande
inimigo aqui na cidade sabe? Mas eu sou um cidadão temente a Deus e embora
soubesse que ele merecesse, não queira fazer nada contra ele. Mas ei que vem o
senhor e me ajuda arruinando sua vida.
E ante a aparência assustada do
deputado, que empalidecia, o homem prossegue.
- Mas então o senhor não lembra? Veja
vou explicar. Primeiro a mulher dele morreu no parto da quinta criança, por que
não tinha vaga na maternidade daqui e ela teve que dar a luz no corredor. Mas
como a enfermeira que estava com ela estava muito cansada, por que já estava
com dois plantões seguidos, ela acabou sendo meio imprudente e meu grande
inimigo ficou viúvo.
- Mas calma, calma, isso foi só o
começo. Com cinco filhos pra criar ele chegava cada vez mais cansado no
trabalho e claro que ganhando a mixaria de um salário mínimo não podia pagar
alguém pra ajudar. A mãe dele até ajudava, mas povo ruim sempre tem o que
merece, e a velha tinha uma catarata muito forte. Já esperava há três anos uma
cirurgia, então não podia ajudar grande coisa. – Depois de um suspiro ele
continua - enfim, ele foi demitido e passou quase três meses vivendo
praticamente de favor. Até que criou coragem de deixar a filha mais velha cuidando dos irmãos, ela já tinha dez anos, já tinha idade pra isso. Aí, arranjou outro emprego como
carreteiro ganhando dois reais por descarregamento de carreta. Mas depois disso
passou a ficar bebendo depois do trabalho extenuante de 18 horas seguidas, pra
esquecer a desgraça de sua vida. Eu disse que ele não era de boa índole.
Como se cada uma daquelas palavras
pesassem uma tonelada, o deputado Rocha, não encontrou forças sequer para
argumentar. E dizer o quê? Aquela narrativa seguia um curso louco demais para
que ele encontrasse uma resposta ou meio de desconversar. O homem, como se
alheio ao desconforto, apenas continuava, como quem narra um fato interessante
e descontraído.
- Depois deputado, a vida dele só
piorou. O mais novinho teve uma gripe, coisa boba, mas deram no posto remédio
vencido então ele teve uma infecção e também morreu. As outras crianças devem
ter puxado ao pai. O menino de nove começou a usar drogas. Pro senhor ver, tão
novinho! É o sangue ruim. Daqui a uns dias não ia mais nem em casa. O outro de
sete vivia pela rua pedindo esmolas, até que descobriu que era mais fácil
roubar e virou um trombadinha dos piores. Todo mundo tinha medo, apesar de ser
tão pequenininho. O segundo mais novo uma mulher levou pra criar, o homem nesse
dia quase morre, mas ia fazer o quê, o menino já estava com desnutrição.
- E o homem se afundando cada vez mais
na bebida, até que um dia descobriu que a menina que já tinha completado onze anos tinha
começado a se prostituir em troca de brinquedos e doces pra ela e pros irmãos. O
senhor não sabe o que aconteceu depois – e como um demônio de olhos injetados,
já ciente do efeitos de suas palavras, gargalhou antes de completar - aquele
desgraçado teve o que merecia, quando ele soube ficou louco. Agora vive tão
bêbado que parece um gambá, jogado pelas ruas, doente e podre. As crianças que
restaram, só Deus sabe onde andam. O de nove fugiu pra capital e vive embaixo da
ponte fumando crack, deve ter mais alguns meses de vida, se tanto.
E levantando-se aquele homem humilde conclui,
dessa vez com um olhar sombrio, falando apenas com a voz de um cidadão comum,
mas esperando fazer alcançar a consciência daquele homem diante de si, se é que
ainda existia:
- Sabe deputado, essa história que
narrei não aconteceu com nenhum inimigo meu. Na verdade, essa é a realidade diária em milhares de famílias do país. Mas o pior é que não ocorre só com os
idiotas que votam em políticos pilantras como o senhor em troca de dinheiro ou
favores, não. Afetam todo mundo, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais
tarde, pois quando vermes como você chegam ao poder, só se interessam em enriquecer às custas o dinheiro público ou pagar favores obtidos durante a candidatura, desviando verbas que deveriam ir para a saúde, educação, segurança e propiciar condições dignas para as famílias brasileiras. Então o senhor faça o favor de ir embora de nossa cidade que já basta os
desonestos que ainda se mantém por aqui. E não precisa dizer que veio daqui
não, nós dois sabemos muito bem que orgulho você não tem e de uma escória que
nem você, nós é que temos nojo e vergonha.
Créditos de imagem:
http://oferrao.atarde.com.br/?p=6350
2 comentários:
Acho q vou precisar ler o texto de novo e começar a rever meus conceitos sobre drogas, prostituição e outras coisas. A maioria das pessoas acham que isso é uma escolha, mas infelizmente é a nossa realidade,triste realidade!
O deputado saiu pensando em entregar o cargo ou se suicidar...rs
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