quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Doce Dezembro




Karen cambaleia pelas ruas escuras da cidade. Na verdade, não muito escuras. A lua cheia brilha no céu que está absolutamente livre de nuvens, permitindo a visão de mais de um milhão de estrelas. As casas e algumas árvores encontram-se iluminadas com mil luzinhas que piscam loucamente em diversos tons. As pessoas reunidas nas casas comemoram uma data popular e tradicional, mas ela passa sem nem enxergar o movimento e os sons.

Tudo parece deixá-la ainda mais entorpecida. Andando a esmo, sem saber para onde ir, de repente lhe dá uma vontade louca de beber. Mas ela não tinha esse hábito então não conhecia bem onde havia bares, embora morasse na cidade já há muito tempo. Desde o ano do casamento na verdade, e essa lembrança lhe aumenta a urgência de encontrar qualquer lugar com licença para comercializar álcool.

Vê uma porta aberta de onde sai um cheiro inconfundível de bebida e cigarros. Havia encontrado um bar enfim. Entra e vai direto ao balcão. Ao erguer os olhos se depara com uma garçonete ruiva com as pontas dos cabelos pintados de preto a fitá-la. Olhando para trás da garçonete vê uma variedade enorme de bebidas bem maior do que julgava existir.

- E aí querida, o que vai querer hoje?

Diante da indagação ela percebe que não tem a mínima noção de bebidas. Então numa voz que soou mais triste do que gostaria pede:

- Qualquer coisa capaz de me fazer esquecer bem rápido.

- Bem, pra isso meu anjo, eu preciso saber o que você quer esquecer.

Olhando e dessa vez reparando na garçonete, percebe pela primeira vez os olhos negros pintados de um preto ainda mais profundo. A boca pequena pintada num tom quase vermelho moldava um sorriso que de alguma maneira a reconfortou. Olhando mais ela viu que a garota vestia uma roupa que mais parecia uma fantasia, com uma saia curta quadriculada e um colete vermelho.

Dando uma olhada ao redor, percebeu as músicas agitadas e alguns casais que apresentavam alguma coisa diferente. Olhando para ela de novo deu-se conta de onde estava.

- Ah meu Deus, estou num bar gay.

- Algum problema nisso? – perguntou a garçonete, num tom ligeiramente mais duro.

- Ah não, nenhum – respondeu querendo sorrir pela primeira vez na noite – aqui pelo menos tenho certeza que não vou ter de me preocupar com nenhum canalha mentiroso.

- Então você quer esquecer um canalha que mentiu pra você, é isso?

Karen apenas balança a cabeça levemente.

- Certo, acho que sei de algo bom para você. E pode ficar tranqüila. Nós daqui não temos preconceito por você ter preferências sexuais diferentes das nossas. – fala num risinho irônico.

Colocando uma bebida transparente num pequeno copo redondo, ela indaga:

- E aí, qual foi o problema, ele era casado?

Karen hesita um pouco olhando para a bebida em suas mãos e para a linda garota a sua frente que parece realmente interessada na sua história, embora ela saiba que no fim das contas ela só quer mesmo uma boa gorjeta. Então com um murmúrio de “Dane-se” nos lábios, ela começa a falar:

- É ele é casado sim. Comigo. Mas há meia hora estava com uma vadia num quarto de hotel vagabundo.

- Hum, isso não parece bom.

- É não é. Ainda mais por que ela é a vagabunda que não conseguiu a promoção que eu ganhei essa semana. E para se vingar o usou. Mandou uma mensagem de foto com um endereço.

Depois de beber todo o conteúdo do copo de uma vez, ela para enquanto sente o líquido descer queimando. Naquele momento ela bem queria que fosse fogo de verdade. Ah, ela queria morrer sim. Só pra não ter de sentir o que tava sentindo.

- É forte isso...

- Bom, pra alguém que quer esquecer, esse é um dos melhores. Embora no fundo todo mundo saiba que amanhã a lembrança estará ainda pior com a ressaca.

- É, bem talvez. Mas que se dane. Seja lá o que fosse não daria para esquecer mesmo.

Passando o dedo em círculos pelas bordas do copo, ela lembra quantas vezes leu passagens de livros que descreviam personagens fazendo exatamente isso. “Passeando os dedos pelas bordas do copo”. Será que era assim que os personagens se sentiam. Pensa, mas não fala. Ao invés disso, fala mansamente para a garçonete, como se falasse a si mesma.

- Nada me faria esquecer de verdade. O que nesse mundo poderia tirar algo que está assim tão forte na minha alma que se eu tentasse arrancar não seria nem como se eu tirasse uma parte de mim, mas como se eu me fosse toda? O que me faria esquecer a pessoa que está presente em absolutamente todas as lembranças importantes que eu tenho algum registro na memória. A única pessoa que eu amei que eu aprendi o que é amar. A pessoa a quem doei todos os segundos de cada um dos 5 anos que vivemos juntos.

A garçonete apenas a olha, sem falar nada, deixando que ela ponha tudo para fora. Por que ela precisa, e é uma das poucas oportunidades que terá de fazer assim sem ter de medir as palavras. E por que ela parece irresistivelmente linda naquele tom melancólico e doce.

- Ele disse que pensou que eu o tivesse traído. Como se fosse possível eu querer, ou sequer notar outro homem no mundo se não ele. Disse que ela tinha falado isso, e depois o levado até o cara que confirmou a história. Aquela piranha armou tudo direitinho. Eficiente e diabólica como ela é. E ele, cego de ciúmes e orgulhoso como só ele sabe ser, ficou louco e fez o que ela queria.

Com um sorriso triste, ela se despede da garçonete depois de virar o quarto copo, vai até uma pista de dança, repleta de pessoas felizes que dançavam loucamente. Também não gostava muito de dançar, mas naquela noite não faria mais diferença.

Depois de se sentir absolutamente tonta, sente uma mão lhe puxando pela cintura e a virando de frente. Era a garçonete que aproveita a levada mais lenta para dançar em dupla. Ela apoiou a cabeça em seu ombro e falou baixinho:

- Você sabe que vai perdoá-lo não é? Que ele lhe fará eternas promessas lhe dirá que a ama mais que tudo e que não consegue viver sem você. E você vai perdoá-lo. Por que é tudo verdade, por que ele só cometeu um erro, é inocente e por te amar tanto, tentará nunca mais machucá-la de novo, embora ainda vá dar alguns deslizes vez ou outra. Mas amanhã você irá perdoá-lo. Você sabe não é?

Embalada pelo doce cheiro dos cabelos coloridos da garçonete, Karen apenas balança a cabeça concordando. E levando as mãos pela cintura dela, sente uma vontade absurda de...

- Não, o que eu tô fazendo?...

- Mas calma agora anjinha, nesse momento, você está magoada, bêbada e não vai ter a menor idéia que esteve aqui, quando acordar amanhã de manhã.

E afastando levemente seus cabelos do rosto, a garçonete segura a cabeça de Karen a aproxima da sua e toca os lábios dela com os seus, a princípio levemente, para então aprofundar o beijo num rompante louco e delicioso.

2 comentários:

Kléber (klebergorges@hotmail.com) disse...

Sérgio. Gostei muito do conto. Só em alguns momentos, há uma LEVE redundância em alguns pontos. Ex: "Qualquer coisa capaz de me fazer esquecer bem rápido." Não há necessidade do "bem rápido". Bem como o piscam "loucamente" das luzinhas das casas, e as pessoas dançando "loucamente". Eu particularmente não gosto de informações desse tipo no que eu leio. Deve-se haver um equilíbrio entre informação, poesia e precisão no texto. E as repetições das palavras para o mesmo sentido soa amador, e tu já não estás nesse nível. Críticas feitas,vamos aos elogios: me impressionou o controle absoluto da história. As transições dos isntantes ocorre com uma suavidade impressionante, há abilidade para adiantar o final do conto com uma sutileza muito bacana, além da sensibilidade explícita. Conseguiu trabalhar muito bem as variações pronôminais que o texto exíge. E tem um português bastante preciso. Parabéns, muito bom em forma e conteúdo. Aos poucos vou lendo todos e aprendendo com vocês.

vitor (rollersvitor@hotmail.com) disse...

nossa muito bom o blog escrevo historias tbm mas naum tão boas assim parabens

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Blog criado para divulgar contos e crônicas, pautados nos mais diversos temas, escritos de uma forma mais direta e dinâmica. Sérgio e Crisla buscam assim acabar com o medo daqueles que não se aventuram em ler uma boa história por não quererem enfrentar páginas e mais páginas dos bons livros. Dar emoção em poucas linhas, prender a atenção com uma boa narrativa, são metas que os autores querem alcançar com o blog, onde amor, política, vampiros, agentes secretos e seres mágicos estarão sempre por aqui. Bem vindos ao nosso blog, aproveitem cada texto que criamos e muito obrigado por estarem aqui.