- Senhores, os helicópteros apaches atacarão aqui, os tanques virão
por aqui e nós entraremos por aqui. No meio do fogo cruzado. – Aponta um
coronel de bigodes grisalho no meio de alguns soldados americanos.
Eles estavam no centro de uma grande
sala de reuniões, na cidade do Kuwait.
O general do exercito americano Sederick Pack e em sua volta
soldados de um grupo especial escutam atentamente as instruções por ele
passadas. Eles eram dos marines, considerados os soldados mais agressivos em
combate. Capazes de entrar em qualquer tipo de ação para realizar missões que
por muitos são consideradas suicidas, eles estão lá prontos para tudo. Nessa
noite a eficácia e infalibilidade desses bravos homens seria novamente
testadas, pois todos contavam com isso para que fosse concluído cirurgicamente
a missão para o qual foram designados: Eliminar Sadam Hussem. Tudo estava sendo planejado para o maior golpe de
democracia que as nações do Oriente Médio que ali se situavam poderiam querer.
Há zero e vinte minutos, os soldados já
se movimentavam na busca para realizar a missão. A noite seguia na escuridão que
avançava sobre tudo e todos. Enquanto tentavam ser invisíveis e mudos, ao longe
eram avistados muitos bombardeios que ocorrem contra as cidades mais a frente,
ao norte. O pelotão A, como eram chamados já estava bem próximo do alvo e cada soldado
prontos para entrar. A cidade de Ticriti,
era o problema que tinha que ser enfrentado, de acordo com informações de um
contato interno do governo, era onde o alvo se encontrava.
Eles avançam lentamente. Dois pelotões
de 10 homens cada, que sabem que não podem separar-se de maneira alguma.
Farrell, um jovem soldado de apenas 22 anos está ali, com sua metralhadora
empunhada e óculos de visão noturna, seguindo vencendo a noite, avançando a minúsculos
e calculados passos. Como em todo filme que tem aquela mensagem de apelo, as
lembranças do jovem soldado começavam a encher sua mente. Ele via sua mãe
Anita, seu pai Jorge, dando alguns conselhos e sua irmã Clara chegando das
baladas. Como era boa sua vida, como era boa a vida em New York, apesar da
correria infernal, do trânsito caótico e das milhares de pessoas cometendo os
mais diversos tipos de devaneios, ali era seu lar e era uma cidade maravilhosa
agora via. Aquela multidão rodando sem rumo na Times Square, comprando desenfreadamente, apaixonados, briguentos, mas
eles na verdade estavam apenas sendo pessoas livres. Farrell queria se livrar
das imagens mais não conseguia.
Como em um passe de mágica a vida de
Farrell retorna há alguns meses atrás e ele simplesmente esquece que estava no
centro de uma guerra e de uma missão que não podia haver falhas. Na sua visão
ele estava parado em uma das muitas calçadas nova-iorquinas, próximo a uma poça
d’água que refletia seu rosto. Aquela era uma lembrança das muitas madrugadas
que ele passava nas ruas sem se nem mesmo avisar aos pobres pais. Ele observa
aquilo tudo parecendo que estava de frente para grande tela de cinema, mas o
filme era de sua vida. Será que aquilo era o medo? Farrell com certeza não
sabia explicar, mas tudo já estava ficando mais que estranho e ele tentava
entender isso. Em um estalo de sanidade o jovem soldado entende que estava em
outro país, o meio de uma guerra e que seus pais e sua irmã estavam sofrendo
muito por sua decisão de alistamento e ida para o Iraque.
E o que estava confuso volta a regra da
realidade. Farrell se ver caminhando logo atrás do soldado de corpo avantajado,
um homem branco que de tão forte, mal dava pra ver seu pescoço e infelizmente
se ver no meio de ruas estreitas silenciosas e o pior de tudo perigosas.
Inesperadamente um vento gélido surge do nada e junto com ele um medo forte e profundo
rasgando a derme de todos. O ar frio bate nos ossos do rosto de Farrell levando
ele para os lados e deixando os binóculos a segas. Quando se está com medo,
apavorado e sem saber o que fazer nem onde se estar propriamente, nada parece
ser comum e só se espera o pior. Os tiros explodindo próximos ao grupo soam
para dizer isso.
Farrell joga-se no chão, se deparando
com uma névoa espessa tomando todo o lugar. Mas como é possível uma névoa no
deserto? Pensou Farrel, já certo de que tudo naquela noite era possível. Nada
mais importava para ele nem para ninguém, ele tinha apenas que lutar e somente
lutar agora. Quando se está no meio do deserto com um calor de cinquenta graus queimando
o crânio e secando a pele tudo que se espera é ter um gole de água para beber.
Mas quando se está a noite no deserto, no meio de uma guerra, tudo que se quer
é um grupo de soldados aliados por perto. Coisa que agora Farrell não tinha. Onde
estava o resto da equipe? Os olhos de Farrel varrendo todos os lugares
possíveis, seu coração dispara o fazendo lembrar do treinamento duro que teve
meses antes: “Nunca fique só, e se ficar
não se deixe ser pego. Caso tenha a possibilidade real de ser pego, tire a
própria vida”.
Os tiros vinham de todas as partes. O
novato Farrel só avistava as luzes raivosas das balas, vindo em sua direção.
Luzes que ele via verdes por causa dos óculos de visão noturna que usava. Tirar
a própria vida não passava nem por um instante na cabeça de Farrell, então a
única coisa que restava era lutar. Essa era a hora de revidar cada uma daquelas
balas.
Inúmeros tiros são disparados e nos
ouvidos de Farrel chegavam junto com os zunidos das balas, gritos que para ele
eram de soldados mortos, porém não dava para distinguir quem eram se aliados ou
inimigos. Os sentimentos que o tomava eram os mais diferentes possíveis: ódio,
medo, desespero, dor, perda, eram muitos. Farrell estava só e cada vez mais
perdido.
Em uma guerra nunca se luta só.
Ali no mesmo deserto onde o jovem
soldado americano estava, há cem metros dele, um outro jovem, esse iraquiano
sentia as mesmas sensações que Farrell.
Abdul, 19 anos, nascido em Kirkuk, filho de Hassam Saleh e Kader Attia,
era um filho admirável, um aluno exemplar, um garoto até então normal. Foi
servir no exército Iraquiano por obrigação. Ou ele iria ou seu velho pai de
sessenta e cinco anos. Como a única coisa que ele mais amava era o pai, pois
sua mão já era morta, ele estava servindo. Longe de sua cidade natal, tentava
defender Ticriti, infelizmente para
ele, nunca teve um treinamento adequando para uma guerra daquela magnitude e
com um inimigo daquela magnitude. Foram apenas três meses de treinamentos se é
que alguém podia chamar aquilo disso, armas falhando de tão velhas. Abdul
estava tão perdido quanto Farrell e as únicas coisas que os diferenciavam eram
seus uniformes e os lados por qual lutavam.
Noite anterior ao início da operação Tempestade no Deserto.
Noite anterior ao início da operação Tempestade no Deserto.
- Vocês precisam defender nossa soberania
dos ataques desses infiéis – gritava Omar Zebari, o chefe de uma tropa de mais
de duzentas crianças – Vamos eliminar todos, eles têm que morrer por Alá.
Abdul de verdade não entendia a guerra,
nem queria entender, mas nos quatro meses que passou em treinamento viu
diversos vídeos com inúmeras coisas erradas praticadas pelos Estados Unidos.
Prisões e mais prisões de pessoas que não tinham nada a ver com terrorismo,
assassinatos, espancamentos, mortes, destruição de casas e de cidades. Era puro
terror, mas terror deles, dos infiéis, Abdul não via ali, outra saída para seu
povo a não ser lutar. E assim, quem eram os terroristas? Perguntava-se Abdul.
A visão do jovem soldado iraquiano ainda
não tinha sido tomada pela névoa densa, até então, pois agora, o bafo da morte
envolvia seu corpo e no meio daquela névoa ele se via só, sem seu pelotão e
tendo somente sua arma velha para proteger sua vida.
Sua voz se perde no meio daquela mistura
de medo e desespero. Abdul começa a disparar inquietamente para todos os lados
sem ter um alvo definido, sem saber nem mesmo porque atirava. Abdul só sabia
que tinha que fazer aquilo, pois agora era por sua vida.
Farrell estava suado, olhos arregalados, corpo deitado na terra santa do deserto, tendo como proteção apenas aquele ato da natureza estranho, a nevoa. Ele não entendia por que deixara para trás sua família... Até entendia, mas não queria. Seriam seus inimigos mesmo terroristas desumanos? Ou apenas nossos líderes não queriam achar meios de entendê-los? E por isso, por desejos de alguém ele poderia perder a vida? Sua mente volta para três anos atrás quando ainda não era soldado. Ele lembrava de notícias de homens do Oriente Médio sendo capturados nos Estados Unidos, em bairros de comunidades mulçumanas. Mas será que todos que estavam ali eram desalmados e terroristas? O diálogo parecia ter acabado há muito tempo entre os homens daquelas nações. Mas quantas vidas tiradas eram necessárias para acabar com tal arrogância. Farrell não entendia e muitos menos seu governantes.
Abdul também fora tomado pelo passado que entrava lentamente em sua cabeça. Ele era bem pequenino e as brincadeiras com um garoto maior que ele o trazia alegrias. O menino das lembranças era americano, filho de um iraquiano que há muito anos morava nos Estados Unidos. Entre eles não havia diferença de raça, cor, religião, eles só queriam brincar e eram felizes correndo no terreiro de sua velha casa tendo sua mãe ainda viva e o observando. Enquanto as balas cortavam o ar sobre sua cabeça, Abdul realmente não entendia porque tal luta e porque da falta de paz.
Farrell estava suado, olhos arregalados, corpo deitado na terra santa do deserto, tendo como proteção apenas aquele ato da natureza estranho, a nevoa. Ele não entendia por que deixara para trás sua família... Até entendia, mas não queria. Seriam seus inimigos mesmo terroristas desumanos? Ou apenas nossos líderes não queriam achar meios de entendê-los? E por isso, por desejos de alguém ele poderia perder a vida? Sua mente volta para três anos atrás quando ainda não era soldado. Ele lembrava de notícias de homens do Oriente Médio sendo capturados nos Estados Unidos, em bairros de comunidades mulçumanas. Mas será que todos que estavam ali eram desalmados e terroristas? O diálogo parecia ter acabado há muito tempo entre os homens daquelas nações. Mas quantas vidas tiradas eram necessárias para acabar com tal arrogância. Farrell não entendia e muitos menos seu governantes.
Abdul também fora tomado pelo passado que entrava lentamente em sua cabeça. Ele era bem pequenino e as brincadeiras com um garoto maior que ele o trazia alegrias. O menino das lembranças era americano, filho de um iraquiano que há muito anos morava nos Estados Unidos. Entre eles não havia diferença de raça, cor, religião, eles só queriam brincar e eram felizes correndo no terreiro de sua velha casa tendo sua mãe ainda viva e o observando. Enquanto as balas cortavam o ar sobre sua cabeça, Abdul realmente não entendia porque tal luta e porque da falta de paz.
- Peguei você! Eu disse que era melhor.
Eu te falei, não falei?...Eu te falei... – gritava o garoto loiro de olhos
azuis.
Farrell tem 13 anos, ele salta de
alegria no sofá da casa do amigo por ter vencido uma fase de um game de
estratégia de guerra. Seu adversário era Abdul, seu melhor amigo que tinha 15
anos, filho de Mohamed, professor na escola de línguas. Moravam no estado
americano de Ohaio.
- Grande coisa Farrel, na fase anterior
quem venceu hein? Quem venceu? – diz Abdul com o controle na mão mostrando
certa chateação e alegria. Coisas de amigos.
Soltando o controle do game, Abdul corre
até a geladeira de sua casa, pega um sorvete de palito e oferece outro para o
colega metido a esperto.
- Por você ter tirado onda, vou deixar o
de morando pra você Farrell e aí, agora quem é o vencedor.
Farrell rir. Sorvete de morando era o
sabor que ele mais gostava. Abdul é o membro mais inteligente de um clube de
escoteiros dirigido por Samuel, pai de Farrel o qual sempre teve muito carinho
por Abdul.
- Ei meu pai não vai te dar a medalha
heim moleque – diz Farrell sorrindo.
O dia estava perfeito em Ohaio. Um céu
com um esplêndido azul, poucas nuvens e as que por ali passam eram como algodão.
Ali não existe névoa, nem cegueira.
- Sabe Samuel, seu filho é muito
inteligente, um garoto exemplar, interessado e concentrado. Tenho orgulho dele
ser o melhor amigo de Abdul.
- Eu digo o mesmo amigo, adoro seu filho
também e acho muito bom os dois serem amigos. Assim como nós sempre fomos desde
que tínhamos a idade deles.
Os risos tomam os quatro cantos do
bairro, dois homens felizes, com seus filhos também felizes. Do outro lado da
rua, duas mulheres desciam de um carro trazendo sacolas de supermercado, elas
riem desconsertadamente.
- Olha os dois, continuam no mesmo
lugar.
- É, se deixarmos,
eles passam o dia inteiro ali, só contando suas proezas e histórias de
pescador.
2 comentários:
Intrigante esse conto. De uma forma diferente foi mostrado nele nossas fraquesa, medos e que nem sempre as coisas são oque vemos ou pensamos. Parabens.
Meus queridos,
hoje poder interpretar histórias, contos, poesias entre tantas outras formas de leitura se tornou muito esqueçido. A correria do dia a dia nos impede de mergulhar no poder da literatura e nos impede de viver um mundo totalmente verdadeiro retratado por palavras tão significativas. Machado de Assis seria um grande apreciador desse blog, mesmo que fuja de suas linhas machadianas, ele estaria aqui presente para contemplar tamanha graça da escrita e da magnitude de seus contos aqui nesse blog tão bem trabalhos e q nos vem apresentar a alegria de ler e de interagir com topícos de nossos dias atuais.
que bom seria se a cada dia eu pudesse estar presente aqui nesse espaço de leitura e literatura.
A voces meus caros escritores fica meu estimo e minhas considerações por serem apreciadores da leitura. Grande abraço!
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