quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A caminho do horizonte


Marina passeava pelo praia sem notar os turistas e visitantes que enchiam o local. Seu olhar a levava para bem longe, além das ondas do mar, bem além da linha onde este encontrava-se com a vastidão do céu, que no momento encontrava-se quase inteiramente azul. Ela fitava o espaço acima da paisagem e seus olhos traíam uma súplica e tristeza que castigavam seu coração.

A algumas horas ela conversava através da internet com Marcos, seu namorado. Eles haviam se conhecido quando ele veio a férias visitar amigos no Ceará. Aqui chegando foi à praia onde Marina o viu pela primeira vez. Ela lembra como se fosse agora o momento em que seus olhos se encontraram e ele lhe sorriu daquele jeito tão meigo e tão dela. Agora, pensando bem, ela percebia que foi naquele momento que ela se apaixonou por ele, mesmo que eles só viessem a falar-se um pouco mais tarde e o primeiro beijo dos dois só tenha acontecido dois dias depois num lual organizado pelos amigos.

Agora com um sorriso lhe brincando nos lábios ela lembrava de tantos momentos juntos que tiveram. Depois daquele lual, passaram o resto das férias juntos, e ela o levou para conhecer todos seus lugares preferidos naquela cidade em que morava desde o dia em que nasceu e que conhecia como a palma da mão. Alguns dos lugares, ele já conhecia de outras férias, outros era impossível de saber. Ainda mais tendo a importância com que ela lhes apresentava. Como a rocha solitária de uma praia abandonada em que ela chorara por todo um dia ao saber da separação dos pais.

Conheciam-se a poucos dias, mas ela sentia que podia confiar-lhe a vida toda, ou melhor, ela sentia como se fosse se arrepender enormemente se não aproveitasse cada segundo ao seu lado. Seria algum tipo de premonição?

Os dias foram passando e Marina sentia-se com nunca imaginou ser possível, ora queria pular de emoção, com uma felicidade tão imensa e pura transbordando de todos seus sentidos, ora sentia vontade de encolher-se numa tristeza antecipada por saber que ao final do mês teriam de se separar. Nesses momentos ela parava e se perguntava com poderia conseguir viver mais um dia distante dele. Antes era possível, mas apenas porque ainda não tinha consciência de sua existência nem daqueles sentimentos tão arrebatadores que agora lhe dominavam a alma.

Toda manhã ao acordar sentia ao mesmo tempo alegria pela noite que findara dando início a um outro dia em que ficariam juntos, e também uma certa melancolia, pois era um dia a menos no mês mais maravilhoso de sua vida. Ela já havia desistido de fazer suas amigas entenderem o que sentia, e nem falava do assunto com sua mãe, que havia até chegado a repreendê-la por estar “levando a sério demais” esse relacionamento. Ora se ela sentia como se estivesse esperado a vida toda apenas para conhecê-lo, como não poderia levar a sério?

Tudo nele parecia perfeito, até suas falhas, apresentadas quando tinham pequenas discussões. Um príncipe feito sob medida para mim, pensava ela. Uma noite ele a surpreendera quando a confessou baixinho no ouvido, no meio de uma festa com os amigos, que a amava e que nunca havia se sentido assim antes. Então como se tivesse dito a mais simples de todas as coisas, a beijou na bochecha e ofereceu-se para pegar mais um refrigerante.

Um dia então as férias chegaram ao fim, e Marina surpreendeu-se ao ver que a dor que sentia não era tão grande quanto imaginara, talvez porque na noite passada ele havia lhe dito, antes de deixá-la em casa:

- Marina, eu sei que nos conhecemos a pouco tempo, mas sinto como se tivesse sempre sido seu e tivesse apenas chegado finalmente o momento de nos encontrar-mos. Você é a menina-mulher mais incrível que eu já conheci, e sei que embora distantes, nós nunca mais ficaremos separados.

Naquela noite ela foi dormir com a certeza de que não importava se ele estivesse em outro estado, aquela história, o seu conto de fadas, não iria terminar ali, nem em momento algum.

Então aconteceu. Numa noite, aparentemente comum, quando conversavam na internet, tiveram um desentendimento. Marina havia tido um dia difícil, sua mãe estava extremamente magoada e desiludida com o amor, como era tão comum desde o dia em que seu pai foi embora. Naquela manhã, Marina estava triste pois não conversavam a três dias e sua mãe então começou a lhe falar coisas. Coisas que lhe entraram na cabeça, mas não deveriam. Ela lhe falou que deixasse essa história de lado, que fosse conhecer novos garotos, que era muito nova e que era LÓGICO que a essas alturas Marcos já devia estar saindo com outras meninas.

Marina não queria acreditar, mas via ao seu redor, vários exemplos de amigos e amigas que namoravam e terminavam e traíam, e uma dúvida traiçoeira ia se instalando. “Ora, porque ia dar certo comigo se eu não conheço ninguém que tenha conseguido levar um relacionamento sério adiante? Por que o meu daria certo? Ainda mais estando tão longe. Será que amor verdadeiro e duradouro realmente existe mesmo?”

O dia passou e ela sentia-se cada vez pior, até que chegou a noite e quando estava arrumando-se no quarto viu o chamado de Marcos piscando no monitor. Injustamente já começou a conversa com raiva dele, como se tivesse feito alguma coisa de errada. Ele pediu desculpas pela demora, explicou-lhe o motivo, mas o sentimento ruim já havia se instalado. Dali a pouco já estavam brigando e as características dele, que antes lhe pareciam engraçadas, começaram a ser citadas como defeitos.

Os atrasos em compromissos e encontros, a mania de corrigir-lhe, que antes ela achava tão bonitinha, os mau-humores quando seu time perdia. Tudo ela agora lhe jogava na cara, e ele acuado inicialmente defendia-se e passado algumas tentativas em vão começou a irritar-se também. Tiveram sua primeira grande briga, que terminou com ela, arrancando o fio do computador da tomada e jogando-se na cama onde chorou por um bom tempo até dormir.

No dia seguinte, mais calma, ela pensou o tempo todo na discussão boba que tiveram. Quis ligar o computador ainda pela manhã, para lhe mandar uma mensagem pedindo desculpas, mas tinha acordado atrasada aquela quinta e tinha de ir ao colégio. Vestiu a roupa e foi, mas não se concentrou nem um pouco na aulas, pensando e criando maneiras de lhe escrever ou mandar algo diferente e que demonstrasse a ele o quanto estava arrependida.

Ao chegar correu ao computador com a idéia já pronta na cabeça, abriu a caixa de e-mails, mas foi surpreendida por uma mensagem dele, que havia sido escrita quinze minutos depois da discussão, em que ele dizia estar vindo ao Ceará para visitá-la. Explicava que a visita já estava marcada devido a um feriado em seu estado e que ele queria fazer uma surpresa, mas que iria antecipar a partida, saindo no primeiro ônibus aquela manhã.

Marina, lentamente senta-se na beira da praia e observa as ondas que chegam até seus pés. Enquanto desenha pequenos rabiscos na areia, ela lembra da emoção que sentiu ao ler a mensagem a poucas horas. Correu a trocar de roupa enquanto fazia as contas mentalmente para calcular o momento em que ele chegaria. Entrou em um site de transportes e viu que o primeiro ônibus de Maranhão com destino ao Ceará havia partido às 06:00hs, contando oito horas de viagem ele deveria chegar por volta das 02:00hs da tarde. Nem se deu ao trabalho de desligar o computador quando viu o relógio marcando uma e quinze. Disparou quarto a fora e passou voando pela mãe na cozinha avisando que iria sair e voltava logo, mesmo sabendo que era mentira.

Seu único pensamento era no que diria a ele quando o visse, estava em dúvidas se apenas pulava em seus braços, ou se ajoelharia e lhe imploraria pelo perdão. Estava tão absorta que não ouviu quando a mãe respondeu, mas ao passar na sala, viu uma imagem na televisão, ligada sozinha, que lhe chamou a atenção. Seus pés grudaram no tapete, enquanto ela via as imagens de um ônibus na estrada e lia a legenda logo abaixo.

ASSALTO A ÔNIBUS NA BR 020 RESULTA NA MORTE DE PASSAGEIRO.

Marina então começa a ouvir a reportagem. Um repórter loiro, com um ar penalizado, repassava as últimas notícias.

- O ônibus que vinha do Maranhão estava chegando ao seu destino depois de quase oito horas de viagem, quando três assaltantes o fizeram parar. De acordo com relatos de testemunhas um dos bandidos parecia muito nervoso e ao sair atirou acidentalmente num rapaz que tentava ajudar uma senhora que passava mal. O rapaz foi atingido no peito e morreu a caminho do hospital. Ele ainda não foi identificado. A descrição mostram-no como um jovem de idade entre 20 e 25 anos, magro e loiro. Também foi descrito com alguém muito educado e cortês com todos os outros passageiros. Sua bagagem ainda não foi identificada, mas existem essas duas malas que não é de nenhum outro passageiro, levando a conclusão de que era dele. A polícia pede que algum familiar ou conhecido entre em contato com eles no número que aparece abaixo.

O coração de Marina doía, mas ela ainda alimentava ferozmente por esperanças de que ele não estivesse no ônibus até ver a imagem das mochilas. Uma delas era verde e preta, e de um lado havia um pedaço de tecido vermelho que ela reconheceu instantaneamente. Era um lenço que ela lhe presenteara, no dia de sua viagem, amarrando-o em uma das alças.

Era a mochila dele.

Marcos estava no ônibus, ele tinha vindo para vê-la. E agora...

Segurando as ondas nas mãos, Marina mais uma vez olha para o céu límpido e quente aquela tarde. Então seu olhar focaliza a vastidão do oceano e uma voz lhe pergunta baixinho: Por que não? Levantando-se lentamente ela entra devagar no mar sentindo a água morna tocar em sua pele lhe trazendo um certo alívio, lhe dando vontade de entrar mais e mais. Até a linha onde ele se encontra com o céu talvez, a caminho do horizonte. Talvez ela pudesse encontrá-lo lá. E então num delírio ouve uma voz, tão conhecida lhe chamando:

- Marina! - grita a voz masculina.

Ah, como ela queria que aquela voz não fosse apenas uma ilusão. Como ela queria ouví-la uma vez mais. E ouve:

- Marina, espera... Você sabe que não sabe nadar.

É ela não sabe, mas que importa isso?

Então a voz da ilusão some e ela sente uma mão lhe puxando. Vira-se para reclamar com o intruso quando vê os olhos mais doces do mundo a lhe fitarem.

- O que você ia fazer sua garota boba?

- Marcos...

- Claro, quem você pensava que era? - ele respondeu lhe dando o seu sorriso. - Você não recebeu meu e-mail?

Então Marina sem acreditar no que via pergunta apenas:

- Mas sua mochila...

- Minha mochila? Ah, é que eu ia vir no primeiro ônibus e acabei me atrasando, mas já tinha deixado minha bolsa nele... Depois tenho de ir atrás dela. Quando eu cheguei, só queria saber de ver você. Sua mãe disse que você tinha saído, não sabia pra onde. Ainda bem que eu te achei... Mas como você sabe da mochila?

- Então você se atrasou?

- Ah, você mesma me disse ontem que eu sou incapaz de chegar no horário em qualquer compromisso... Espero que até o dia do nosso casamento eu já tenha aprendido, não é?

E antes de lhe dar tempo de responder lhe beija os lábios, erguendo-a em seguida nos braços e rodopiando com ela até caírem ambos na areia da praia, sendo alcançados por uma onda que os cobrem como se quisesse se juntar a eles.

2 comentários:

Gabriela disse...

O texto ficou muito bem escrito. A ideia é um tanto antiga, não por ser romance, mas um romance a distância onde eles voltam a se encontrar. Apesar da ideai ser repetitiva, o texto ficou bem escrito e é isso o que importa. Parabéns.

LINDALVA (linda19752009@hotmail.com) disse...

Gostei muito do conto"A caminho do Horizonte."Não li os outros ainda, com certeza vou gostar tbm quando ler.Sou a gaivota do bate papo.

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